segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A árvore que florescia no Carnaval

          Eram romper os tambores no Sambódromo do Anhembi que a bela rosa ipê florescia, caia de seus galhos todas as folhas e nasciam flores. Diferente das árvores de sua espécie que florescem no fim do inverno, entre os meses de julho e agosto.
Sua madeira dura e resistente é símbolo do Brasil e do bairro que mora, pois cresceu devagar até seus oito metros de altura. Sortuda nunca foi escolhida para construção civil e naval: assoalhos, eixos de rodas, peças de marcenaria, vigas...
Provavelmente, a bela rosa ipê foi abençoada por “um anjo torto desses que vive nas sombras disse”: madeira de qualidade, árvore de casca dura, suas flores serão lindas, de geração a geração de paulistanos, pois embeleza as ruas de coração e protege os amantes do sol, da chuva, do vento e da lua. Não evita novos rebentos de novembro, mas colori de rosa os menos afoitos e depravados. “Se nossas linhas não fossem tão tortas não teriam se cruzado”.
Chegando a quarta de cinzas, o ipê cantava triste e baixo:
“Adeus, adeus
Meu pandeiro do samba
Tamborim de Samba
Já é de madrugada

Vou-me embora chorando
Com meu coração sorrindo” [...]

A bela rosa ipê deixava assim cair suas flores para uma vizinha aparecer em roxo: a quaresmeira.
Sonharia com o próximo Carnaval por meses frios e quentes, quinzenas úmidas e secas, dias cheirosos e fedidos, criando novas folhas e quase sumindo entre carros e arranha-céus, junto no seu pano de guardar confetes as mais belas formas rosas de flores, pois esta planta fêmea de ipê não morria durante o ano, cantava com calma sua sina:
“Não deixe o samba morrer
            Não deixa o samba se acabar
            O morro foi feito de samba
            De samba pra gente sambar

            Quando eu não puder mais entrar na avenida
            Quando as minhas pernas não puderem aguentar
            Levar meu corpo, junto com meu samba” [...]

E como sempre, diferentes de outras plantas de sua espécie, florescia rosada durante os primeiros aplausos do desfile da primeira escola de samba de São Paulo no Sambódromo, deliciando-se por mais quatro noites apaixonantes...

Jorge Barboza
Escritor e Colunista Social

domingo, 19 de fevereiro de 2017

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

O Pires

Era uma vez uma Maria Gato grávida de seu terceiro filho, morena clara, sorriso singelo, corpo cansado, morava em um barraco colorido no alto morro. Um lugar de vista privilegiada, onde a natureza deixava cantar os sábias e as plantas crescer largamente...
Um domingo, Dona Gato ganhou uma rosa branca de uma vizinha, como tudo que ganhava cuidou com carinho e plantou do lado direito da porta do barraco.
Esqueci de falar, Maria estava com a grana curta, o estrito para o necessário, ela tinha um desejo enorme de tomar leite em um pires, saliva só em imaginar o leite caindo delicadamente na louça pequena em forma de prato pequenino... Sonhava com isso e às vezes, só às vezes, ficava triste, não tinha dinheiro para um pequeno luxo, a maioria das coisas do barraco precisava de consertos, de reparos, de remendos, de troca por novo... Nesse tempo peças avulsas eram caríssimas e ainda não haviam as lojas de um real ou coreanos como hoje em lojinhas em cada esquina, bairro, rua...
No dia seguinte, uma segunda-feira, apareceu uma doce velhinha na porta de Maria Gato e ela desejava uma muda da rosa. A rosa branca virou uma trocha enorme de flores da noite para o dia e sem pestanejar a gentil grávida cortou um galho da roseira e deu pra velhinha doce que agradecida tirou de um bolso do casaco marrom um pires e começou sua história:
- Quando eu era moça, muito moça, eu não era muito bandoleira, casei com “um deus que se deseja e se teme ao mesmo tempo”, fui fiel e ele foi fiel comigo. Todo dia 12 de cada mês comemorávamos nosso amor e nossa paixão com um jantar à luz de velas e uma rosa branca no centro da mesa, tivemos dez filhos, vinte e quatro netos entre tantos outros bisnetos e até tataranetos... Mas recentemente ele ficou doente, morreu, assim a aprendi a ficar só, ou quase, aprendi a tricotar, costurar e procurar uma rosa branca para substituir a xícara que quebrou com meu amor, meu eterno marido, presente de meu casamento com mais de cinquenta anos, prova que o amor resiste ao tempo de “um deus que se deseja e se teme ao mesmo tempo”.
Depois da história, Dona Gato matou seu desejo por leite em um pires e a doce velhinha voltou a sorrir...

Jorge Barboza

Colunista Social. Escritor. Revisor.

domingo, 5 de fevereiro de 2017